Só nós dois

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

aco Silva chegou com a sua mulher ao jantar onde além de Ricardo Salgado estava Durão Barroso – então primeiro-ministro –, Margarida Sousa Uva, Marcelo Rebelo de Sousa e Rita Amaral Cabral. Na altura o semanário “Expresso” adiantou que o convite tinha como objectivo “pressionar Cavaco a candidatar-se às eleições presidenciais [de 2006]”. O banqueiro terá referido nesse encontro que a presença de Cavaco em Belém seria importante para o país, uma vez que se encontrava numa situação económico-financeira cada vez mais complicada.



a privada rapidamente se tornara pública, uma vez que dentro do PSD havia movimentações para a corrida a Belém e alguns sectores do partido estavam preocupados com a possibilidade de Pedro Santana Lopes avançar.
Contactado então pelo “Expresso”, Ricardo Salgado confirmou o encontro e admitiu a existência de uma relação de amizade: “[Tratou-se] de um jantar privado de casais que têm laços de amizade.”
MAIS QUE AMIZADE Mas o apoio à candidatura não se ficou pelas palavras dessa noite. Ricardo Salgado fez questão de, no ano seguinte, doar o máximo permitido por lei à candidatura de Cavaco – que entretanto já havia anunciado que estava na corrida a Belém. De acordo com o “Diário de Notícias”, que consultou as contas das campanhas de 2006, a família Espírito Santo foi uma das grandes financiadoras do actual Presidente da República, tendo doado 104 928 euros – o que representa mais  de 5% do total. Só Salgado doou 22 482 euros, o máximo então permitido por lei. O banqueiro foi mais longe que Oliveira Costa, então presidente do BPN, que apenas doou 15 mil euros.
Os apoios da banca a Cavaco não foram exclusivos da família de Ricardo Salgado, mas os dos Espírito Santo foram exclusivamente para Cavaco.

PRESSÃO PARA CANDIDATURA A BELÉM O retorno em força dos Espírito Santo ao país acontece dois anos depois da reunião no hotel da Suíça, ainda durante o executivo liderado por Cavaco Silva. Mas se até então as conversações poderiam não passar de meras formalidades, as dúvidas ficam desfeitas quando anos mais tarde, em 2004, Salgado convida Cavaco para um janta



«Os equívocos e as omissões parecem ter carta-de-alforria na sociedade portuguesa. Vive-se do aspecto, tudo aparentemente "natural", porque as nebulosas não são esclarecidas, e os comentadores que tinham obrigação de as clarificar não o fazem por incompetência, porque são estipendiados ou por medo. Se é preciso coragem para ser velho, como diz a Isaura, para ser velho em Portugal a coragem terá de ser dupla ou tripla.

 
Há pouco tempo, o Dr. Cavaco afirmou que não havia motivos para os clientes do BES terem sobressaltos. O vulcão já estava activo e, de certeza, muita gente sabia o que se passava no subsolo. O desmoronar do império financeiro foi, pelos vistos e ouvidos, um espanto para o Dr. Cavaco, cuja tranquila persuasão encaminhara milhares de portugueses para os abismos da desgraça.

 
Veio agora o pobre homem dizer à puridade que ninguém, nem Governo, nem os sábios com que se rodeia, nem o governador do Banco de Portugal, lhe chamara a atenção para o ruído vulcânico já pressentido. A inépcia do Dr. Cavaco, que, em certa ocasião, declarou não perder tempo a ler jornais, e raramente se enganava, tem, como testemunho histórico, a farsa em que vive e nos obriga a viver.

 
A sua ignorância, neste gravíssimo caso, e o silêncio ou as frases dúbias com que a ele se refere é mais um triste e nefasto episódio da tragédia portuguesa. Um Presidente deste género, um Governo tal assim, uma comunicação social que se perdeu em devaneios líricos, e que converteu em fazedores de opinião umas criaturas que não estão ali para explicar (como dizia o Chacrinha no Brasil) mas para complicar, deviam ser apontados à execração e alvitrados como delinquentes de lesa-pátria.

 
O País está de pantanas, já se fala abertamente no abandono do euro, e que o euro (com provas provadas) só beneficiou a Alemanha, e há por aí um ou dois grupos de lúgubres humoristas que gozam connosco tocados de leviana impunidade. Ridendo castigat mores (A rir castigamos os costumes) transformou-se numa cegada improvável e numa galhofa desprovida de sentido. Não é dilucidada a raiz oculta dos acontecimentos que nos afectam; as privatizações obedecem a critérios brumosos; surgem rios de dinheiro, de procedência calada para aquisição de empresas; poderosos escritórios de advogados envolvem-se nestes e em outros negócios - e nós somos colocados perante factos consumados, como rebanhos resignados e sem voto na matéria. A democracia de troca de favores funciona, e um pequeno grupo enche os bolsos de dinheiro, com a aquiescência de quem, na imprensa e nas televisões, capitula na missão de informar, explicar e combater. O País precisa, urgentemente, de uma barrela que expurgue as nódoas que o tornaram este amontoado de negócios sórdidos.» – Baptista Bastos, no DN.

 

 
Vagamente relacionado: O mediático encontro de 1989 num hotel da Suíça foi um marco nas relações entre o banqueiro Salgado e o então primeiro ministro Cavaco, mas não o início. Salgado já havia sido aluno de Cavaco no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (actual ISEG) na década de 60. É, no entanto, naquela reunião que é comunicada por Salgado e Manuel Ricardo Espírito Santo a Cavaco Silva a intenção da família de retomar parte do império perdido. Os Espírito Santo Queriam regressar a Portugal com o objectivo de ganhar a privatização do Banco Espírito Santo Comercial de Lisboa – nacionalizados em 1975 – no âmbito da política de liberalização económica promovida pelos governos de Cavaco.  

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